quinta-feira, 22 de outubro de 2020

BREVE DISCUSSÃO EPISTÊMICA ACERCA DA CIÊNCIA COMO PREMISSA DE COMBATE À IDEOLOGIA BOLSONARIANA

A pretensão inicial deste breve ensaio se dá às polêmicas levantadas esta semana da compra ou não da vacina chinesa por parte do desgoverno Bolsonaro que ainda se choca com as diretrizes globais de combate à Pandemia.

Uma coisa é certa: tudo está vinculado à discussão da economia política; nada se isola da discussão na economia política dentro do sistema capitalista!

Agora o que se pesa é a interpretação que as pessoas se colocam dentro das contradições do Sistema!

A ANVISA nessa polêmica que se formou em que Bolsonaro dizer não comprar mais vacinas da China para contrapor sobressaltos a Doria (governador de SP), ela tenta se colocar de fora dessa “disputa política”, em uma neutralidade epistêmica ao dizer que a Ciência está acima de tudo...






(JN, 22/10/2020)

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Precisamos abrir aqui uma observação: Quando é conveniente, Bolsonaro usa uma "narrativa" em defesa da pretensa "Ciência" e necessidade de uma certificação segura em suas instâncias de Agências Reguladoras... e se mantém fiel a uma "narrativa/discurso" de "Soberania Nacional/do Estado" ao se pronunciar não se condicionar o "povo brasileiro" a se tornar cobaia... No entanto, abriu a "porteira" para a imposição imperialista dos EUA com o estabelecimento da Hidroxicloroquina enviada pelos EUA como medida de imposição e afronta a todos os protocolos da Luta contra a Pandemia! 


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Manter essa narrativa de neutralidade epistêmica da Ciência para sobrepor à ideologia neofascista do “negacionismo epistêmico e anti-intelectualíssimo”, e que será muito difícil se isolar dessa “querela política” criada por Bolsonaro, haja vista a ANVISA ser uma agência controlada pelo executivo (vide as trocas de Ministros da Saúde para estipular o controle desequilibrado de Bolsonaro sobre a Pandemia) 

Em nota, os secretários estaduais de saúde apresentaram suas convicções: 


Fonte: https://globoplay.globo.com/v/8960508/

O problema é que as convicções pessoais de Bolsonaro estão em curso...

Essa guinada repentina de Bolsonaro vetar a compra da vacina chinesa contra a Covid-19 tem uma relação direta de pressão dos EUA com a semana de definição do Acordo Bilateral da Comissão de Relações Econômicas e Comerciais Brasil-EUA (ATEC), em nada tem a ver se a China institucionalmente em sua constituição se colocar ainda como “Comunista”, haja vista ela ser soberana e tem sua prerrogativa em definir sua constituição, qualquer tentativa de outro país (EUA) em querer impor um modelo de constituição a outro é rasgar qualquer princípio liberal constitucional de soberania, é agir como um país imperialista. Temos que perceber que o que acontece de fato é uma disputa global de monopólio entre potências capitalistas de fato, pois a China a muito tempo aderiu à economia de mercado!

Essa tentativa de desconstruir essa pretensa neutralidade epistêmica da Ciência até ressoa de forma distorcida para a esquerda, principalmente da linha marxista para tentar se opor a essa anomalia que estamos vivenciando com a onda neofascista. Um exemplo que identifiquei esses dias foi o chamado em um post nas redes sociais de uma Live de Mário Maestri: 



"Ciências Históricas", isto é uma categorização na academia que forçou a barra... não existe essa necessidade!

Se for pra querer se diferenciar do atual cenário da pós-verdade que o neofascismo vem atacando a cientificidade, até nisso é cair na tentação de colocar o fator ciência acima da vida como algo que o positivismo sempre fez e que vinculado ao sistema capitalista sempre travou grilhões para a humanidade romper com este sistema verticalizado... a ciência por exemplo no tempo do “antigo regime” vinculava aos déspotas esclarecidos a hegemonia do poder absoluto em uma sociedade em decomposição prestes ao assalto revolucionário da burguesia vigente... O liberalismo ganhou status quo com a Revolução Francesa e no século XIX o positivismo definiu as bases científicas para toda a composição da sociedade ocidental e até hoje influencia nossa sociedade de maneira verticalizada e centralizada o domínio da ciência em todas as esferas da vida humana...

E até mesmo o Marxista mais ortodoxo sabe que a cátedra da academia é a representação da superestrutura do sistema capitalista... porém a contemporaneidade do marxismo ainda está vinculada à ideologia do progresso ao fetichismo do “determinismo tecnológico”, como referenda inclusive István Mészáros... MÉSZÁROS define como instrumentalização do paradigma do “determinismo tecnológico” atribuídos a Kautsky e Bukharin como “distorções mecânicas da concepção marxiana” (MÉSZAROS, 2011b, p. 47).

De acordo com o conceito de “Determinismo tecnológico” de Mészáros (2011b, p. 47): “uma interpretação mecanicista não dialética entre ‘estrutura global e suas ‘microestruturas’, sem as quais somente seria possível falar de algum agregado caótico de elementos díspares, e não de uma totalidade social em desenvolvimento, com tendências identificáveis próprias”. [página 15 de minha dissertação]

Para Proudhon: “Todos os socialistas modernos invocam a ciência única e indivisível, mas sem poder colocar-se de acordo sobre o conteúdo nem sobre os limites nem sobre o método dessa ciência; os economistas, por sua vez, afirmam que a ciência social não é outra senão a economia política. (...) Poderia ocorrer, pois, que a economia política, apesar de sua tendência individualista e suas afirmações exclusivas, fosse parte constitutiva da ciência social, na qual os fenômenos que ela descreve seriam como pontos de referência primordiais de uma vasta triangulação e os elementos de um todo orgânico e complexo. Desse ponto de vista, o progresso da humanidade, indo do simples para o composto, seria inteiramente conforme à marcha das ciências e os fatos discordantes, e tantas vezes subversivos, que hoje formam o fundo e o objeto da economia política, deveriam ser considerados por nós como tantas outras hipóteses particulares, sucessivamente realizadas pela humanidade em vista uma hipótese superior, cuja realização resolveria todas as dificuldades e, sem ab-rogar a economia política, desse satisfação ao socialismo” (PROUDHON, Tomo I, p. 55). [p. 18 da minha dissertação]

Então, vamos deixar de fazer um maniqueísmo neste momento conjuntural de ciência x conservadorismo como se isso viesse libertar a humanidade de exploração histórica!!!

Maurício Tragtenberg escrevendo na Introdução do livro de Mikail Bakunin - Federalismo, Socialismo, Antiteologismo, Editora Cortez (1988) - faz a seguinte afirmação:

(...) No entanto, embora valorize a ciência, Bakunin lembra que esta deve subordinar-se à vida, pois tudo "é infinitamente mais extenso, mais amplo, mais profundo e mais rico do que a ciência, e jamais será por ela esgotado" (BAKUNIN, op. cit., p.49)

Com tudo relacionado dentro desta análise conjuntural da crise epistemológica que este desgoverno Bolsonaro tenta consolidar a agenda ultraliberal, precisamos avançar para além da “economia política” superando as contradições do capitalismo para formação de uma economia social, em que nada está acima da vida!

Como indica Proudhon, a ciência exige a insurreição do pensamento, ou seja, o contraponto da autoridade que engessa o saber pela liberdade crítica. (...) A insurreição do pensamento é assim um ato de ruptura com o poder e busca pela ciência, que longe de adquirir sua cientificidade da neutralidade, produz essa cientificidade pela sua relação de antagonismo/engajamento ou não nas estruturas de poder e regimes de verdade que esta estrutura impõe ou invizibiliza, e com os planos do real e do vivido que apreende e no qual se institui. (FERREIRA, et al., 2016, p. 37)

O paradigma da teoria anarquista clássica compreende dois sistemas, a dialética proudhoniana e o materialismo bakuninista. Essa teoria se desenvolveu não somente sob a forma de saber científico, mas de saber político e saber perceptivo do mundo exterior. As experiências das tradições populares rebeldes, das revoluções e das opressões foram fundamentais para a constituição da teoria anarquista clássica como um tipo de saber científico. (FERREIRA, et al.,2016, p. 56) Grifos meus [p. 19 da dissertação]

A própria “economia política” está condicionada a um “organismo complexo” de uma “economia social”[1] que precisa romper um processo de desenvolvimento tecnológico monopolizado que sequer beneficiará o Estado brasileiro, mas somente aos interesses do capitalismo internacional em que os EUA se apresentam na “guerra comercial” com a China:

“A ciência em geral é o conhecimento racional e sistemático daquilo que é.

Aplicando esta noção fundamental à sociedade, diremos: a ciência social é o conhecimento do racional e sistemático não do que foi a sociedade, nem do que ela será, mas sim do que é em toda a sua vida, isto é, do conjunto de suas manifestações sucessivas: pois, é somente aí que pode haver razão e sistema. A ciência social deve abraçar a ordem humanitária, não apenas em tal ou qual período de sua duração, nem em alguns de seus elementos, mas em todos os seus princípios e na integralidade de sua existência: como se a evolução social, espalhada no tempo e no espaço, se encontrasse de repente reunida e fixada num quadro que, mostrando a série das eras e a sequência dos fenômenos, descobrisse seu encadeamento e unidade. Essa deve ser a ciência de toda a realidade viva e progressiva; essa é incontestavelmente a ciência social.” (PROUDHON, Tomo I, p. 55). [p. 110 da dissertação]



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[1] Conforme destaca PROUDHON: “Se, portanto, a economia social é ainda hoje mais uma aspiração rumo ao futuro que o conhecimento da realidade, deve-se reconhecer também que os elementos desse estudo estão todos contidos na economia política; é creio exprimir o sentimento geral ao dizer que essa opinião se tornou a da imensa maioria dos espíritos. O presente encontra poucos defensores, é verdade, mas o desagrado pela utopia não é menos universal: e todos compreendem que a verdade está numa fórmula que conciliaria estes dois termos: conservação e movimento” (PROUDHON, Tomo I, p. 67) [p. 110 da minha dissertação].