terça-feira, 5 de outubro de 2010

POR UMA DIALÉTICA DO AMOR!

A solidão é a profundeza última da condição humana. O homem é o único ser que se sente só e o único que é busca de outro. Sua natureza – se é que podemos falar em natureza para nos referirmos ao homem, exatamente o ser que se inventou a si mesmo quando disse “não” à natureza – consiste num aspirar a se realizar em outro. O homem é nostalgia e busca de comunhão. Por isso, cada vez que se sente a si mesmo, sente-se como carência do outro, como solidão.
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Assim, sentir-se só possui um duplo significado: por um lado, consiste em ter consciência de si; por outro, num desejo de sair de si. A solidão, que é a própria condição de nossa vida, surge para nós como uma prova e uma purgação, ao fim da qual a angústia e a instabilidade desaparecerão. A plenitude, a reunião, que é repouso e felicidade, e a concordância com o mundo, nos esperam no fim do labirinto da solidão.
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(...) As penas de amor são penas de solidão. Comunhão e solidão, desejo de amor, põem-se e complementam-se. (...)
Nascer e morrer são experiências de solidão. Nascemos sozinhos e morremos sozinhos. Nada é tão grave quanto esta primeira imersão na solidão que é nascer, a não ser esta oura queda no desconhecimento que é morrer. A vivência da morte se transforma logo em consciência de morre.
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(...) Criação e destruição se fundem no ato amoroso; e, durante uma fração de segundo, o homem entrevê um estado mais perfeito.
Não são estes os últimos obstáculos que s interpõem entre o amor e nós. O amor é escolha. Livre escolha, talvez, da nossa fatalidade, súbita descoberta da parte mais secreta e fatal do nosso ser. Mas a escolha amorosa é impossível na nossa sociedade. Já Breton dizia, num de seus mais belos livros – O louco amor -, que duas proibições impediam, desde o nascimento, a escolha amorosa: a interdição social e a idéia cristã do pecado. Para se realizar, o amor é escândalo e desordem, transgressão: dois astros que rompem a fatalidade de suas órbitas e se encontram no meio do espaço. A concepção romântica do amor, que implica em ruptura e catástrofe, é a única que conhecemos, porque tudo na sociedade impede que o amor seja livre escolha.
A mulher vive presa à imagem que a sociedade masculina lhe impõe; portanto, só pode escolher rompendo consigo mesma. “O amor a transformou, fez dela outra pessoa”, costuma-se dizer das apaixonadas. E é verdade: o amor faz da mulher uma outra, pois, se se atreve a amar, a escolher, se se atreve a ser ela mesma, precisa quebrar a imagem em que o mundo encarcera o seu ser.
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A sociedade concebe o amor, contra a natureza deste sentimento, como uma união estável e destinada a criar filhos. Identifica-o com o casamento. Qualquer transgressão desta regra é castigada com uma sanção cuja severidade varia de acordo com o tempo e espaço. (...) a proteção dada ao casamento poder-se-ia justificar, se a sociedade permitisse realmente a escolha. Já que não o faz, deve aceitar que o casamento não constitua a mais alta realização do amor, e sim uma forma jurídica,social e econômica que possui fins diferentes dos do amor. A estabilidade da família repousa no casamento, que se transforma em mera projeção da sociedade, sem outro objetivo a não ser a recriação desta mesma sociedade. Daí a natureza profundamente conservadora do casamento. Atacá-lo é dissolver as próprias bases da sociedade. Daí também que o amor seja, sem se propor a isso, um ato anti-social, pois cada vez que consegue ser realizado, viola o casamento e o transforma no que a sociedade não quer que ele seja: a revelação de duas solidões que criam por si mesmas um mundo, que quebra a mentira social, suprime o tempo e o trabalho e se declara auto-suficiente. Não é estranho, assim, que a sociedade persiga com o mesmo ódio o amor e a poesia, seu testemunho, e os lance à clandestinidade, à margem, ao mundo turvo e confuso do proibido, do ridículo e do anormal. E também não é de admirar que o amor e poesia explodam sob forma discordantes e puras: um escândalo, um crime, um poema.
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(...) A solidão é ruptura com o mundo caduco e preparação para o regresso e a luta final.

(Trechos do Livro de - PAZ, Octavio. O Labirinto da Solidão. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. págs 175-184)

Um comentário:

  1. fala guerreiro da esbórnia, tamo ai juntos aqui pra eu ir alimentando a alma de um pouco de realidade... sempre q for pro intervalo na globo, eu volto à realidade e venho aqui pra equilibrar a balança blz? abração!!!!

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